Inusitada reunião
Inusitada reunião! Nossa ida para Guaçuí (ES) foi quase uma concessão. O então capitão Marcos Antônio de Oliveira Campos, hoje coronel, há décadas um amigo leal, em 1994, aceitou generosamente, em fraternal gesto, nos ceder a sua vez de comandar a Companhia guaçuíense, à fim de nos permitir voltar ao interior capixaba, depois de anos na capital. Já na chegada à cidade, encontramos algo que nos era incomum, mesmo depois de 14 anos de oficialato: conduzir uma reunião na Sede da PMES em Guaçuí pa
Inusitada reunião!
Nossa ida para Guaçuí (ES) foi quase uma concessão. O então capitão Marcos Antônio de Oliveira Campos, hoje coronel, há décadas um amigo leal, em 1994, aceitou generosamente, em fraternal gesto, nos ceder a sua vez de comandar a Companhia guaçuíense, à fim de nos permitir voltar ao interior capixaba, depois de anos na capital.
Já na chegada à cidade, encontramos algo que nos era incomum, mesmo depois de 14 anos de oficialato: conduzir uma reunião na Sede da PMES em Guaçuí para debatermos insegurança e desordem pública em uma “zona de meretrício”.
O juiz de Direito e o promotor de Justiça, nos convidara ao Fórum, pois estavam prestes a determinar o fechamento das “casas-bares”, que serviam escamoteadamente ao ilegal “mercado de exploração sexual” no lugar conhecido como “Vila Alta”.
Ali, às margens da BR 482, o lugar era um ponto-comum de encontro entre caminhoneiros em viagem, bêbados, vadios, senhores que mantinham, às escondidas, “casos extraconjugais”, jovens de classe média e até mesmo crianças que perambulavam pelas ruas.
Estaria ocorrendo por aquelas bandas um grave problema de saúde pública em uma das “casas-bares”. Segundo denúncia, havia uma das mulheres residentes em uma dessas casas que era portadora do vírus HIV e já teria contaminado dois caminhoneiros que com ela estiveram em encontros íntimos.
A boataria era intensa!
Assim, o caso se tornava em um sensível problema de saúde pública. Era preciso agir, pois a ordem pública estava sendo atingida. Na mente coletiva a solução era lacrar e interditar tudo.
As mulheres que viviam nas “casas-bares” eram vítimas de um sistema de exclusão social. A maioria delas vinha de cidades vizinhas a Guaçuí para trabalhar como ”garçonetes” que nas ”casas-bares”.
Mesmo distante do tempo em que Whashington Luís afirmava que a ”questão social era caso de polícia”, a sociedade local continuava a pensar como ele.
Desse modo, as condicionantes da criminalidade: baixo desenvolvimento, desigualdade e a baixa condição social, ensinadas por López-Rey, eram visíveis nas instalações insalubres da esquecida região da cidade.
A novidade era a reunião entre o Comando local da PM e as ”mulheres-garçonetes” da “Vila Alta” que seriam atingidas pela ordem judicial. O inédito encontro era uma sugestão criativa da “tia” Vera Noé, experiente e bondosa Secretária de Ação Social, recentemente falecida.
Então, coube à Ação Social convidar as mulheres das ”casas-bares” para a inusitada conversa na Companhia da PMES. Todas elas compareceriam!
No Conselho Interativo de Segurança Pública, instância comunitária de discussão, alguns se posicionaram sobre a questão, não enxergando apenas um problema de insegurança pública, mas também de indignidade da pessoa humana e de insalubridade pública.
Eram oito mulheres que falavam em tom acima do costumeiro e entre si conversavam sobre a questão em debate, sem nenhum consenso.
Irreverente, a Líder delas, falecida tempos depois, vítima da AIDS, disse que a reunião de nada valeria, pois elas não deixariam de trabalhar, uma vez que também tinham contas a pagar.
Enfim, acabado o encontro, sem qualquer consenso, voltamos ao Fórum e relatamos o que havia ocorrido durante as conversações.
Então, o Juiz e o Promotor, em comum acordo, nos deram um prazo maior para que negociássemos uma solução, viável e razoável.
Dessa forma, buscando encontrar uma saída fora do modelo repressivo tradicional, unimo-nos na formação de uma Equipe multisetorial, e com o apoio da municipalidade instalamos um bem equipado Serviço de Atendimento ao Cidadão no coração da “Vila Alta".
Decidimos também, em parceria com o Conselho Interativo, que sempre os mesmos policiais militares executariam o policiamento ostensivo a pé, em turnos, de manhã à noite. Era a Polícia Interativa que chegara àquele território para transformá-lo.
Assim, a realidade começava a mudar, com a Prefeitura iniciando a melhoria da iluminação pública, regularizando a coleta de lixo e direcionando ações de saúde preventiva, antes mesmo do PSF existir, enquanto a vigilância sanitária procedia inspeções regulares nas “casas-bares” e ainda, a cada mês, as Polícias Civil e Militar, juntas reuniam-se com a comunidade local.
Os usuários de outrora já não mais apareciam com a mesma frequência. A presença ostensiva do Estado inibia a frequentação e as ”casas-bares” sem clientela, viam os seus “negócios” irem à bancarrota, e acabavam por dispensar suas “mulheres-garçonetes”.
Assim, com a revitalização da “Vila Alta”, o bairro ganhou novo aspecto e passou-se a chamar João Ferraz de Araújo, hoje um valorizado espaço imobiliário.
Desse modo, a instrumentalização da Justiça não se fez somente por determinações na forma de mandados, mas, sobretudo, pela preservação da cidadania, por meio do diálogo e da não-violência.
Por fim, em matéria especial sobre a Polícia Interativa de Guaçuí, o Programa Fantástico destacou os resultados da interatividade social na antiga “Vila Alta”, transformada em exemplo para um novo fazer na Ordem Pública.
Vitória - ES, 07 de janeiro de 2023.
Júlio Cezar Costa e coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
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