O soldado do Teatro

*O soldado do teatro!* Há alguns dias, após um evento do qual participava como preletor, fui abordado por um dos assistentes, me informando que havia um “soldado” pelo lado externo, aguardando para falar comigo. *Fui ao encontro desse militar e o mesmo, ao me ver, alegremente se expressou: “lembra de mim coronel?”* Na verdade, eu não me lembrava, mas então, assertivamente, o “soldado” me disse: *“quando o senhor começou com a Polícia Interativa, eu fiz parte, na sede do 3º BPM, em Alegre – ES,

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*O soldado do teatro!*

Sargento Márcio Ginçalves de Lírio, o soldado do Teatro.

Há alguns dias, após um evento do qual participava como preletor, fui abordado por um dos assistentes, me informando que havia um “soldado” pelo lado externo, aguardando para falar comigo. *Fui ao encontro desse militar e o mesmo, ao me ver, alegremente se expressou: “lembra de mim coronel?”*

Na verdade, eu não me lembrava, mas então, assertivamente, o “soldado” me disse: *“quando o senhor começou com a Polícia Interativa, eu fiz parte, na sede do 3º BPM, em Alegre – ES, do teatro para os oficiais de outros estados* que receberam treinamento para replicarem o método interativo. *Lembrou agora?”

Assim, revivemos os primeiros passos daquela “ideia interiorana” de *colocarmos a Polícia para falar com as pessoas da comunidade e nos encontramos, ainda moços, na retroação do saudoso tempo.*

Ocorrera  na metade da década de 1990, ainda bem no início da modelagem da *Polícia Interativa em Guaçuí - ES, a exibição, pelo televisivo programa dominical “Fantástico” da Rede Globo,* de bela matéria jornalística, divulgando o pioneiro trabalho de interatividade social, iniciado pela Polícia Militar do Espírito Santo. *O fato virou notícia e irradiou para todo o Brasil.*

Acorreram para Guaçuí caravanas de oficiais, delegados de polícia, sargentos, lideranças políticas e comunitárias de vários estados brasileiros, ao todo 20. Lá investigavam tudo, querendo saber como os fatos se davam no cotidiano da pequena cidade do sudoeste capixaba, tornada, após a reportagem “fantástica”, em capital da inovação comunitária.

*Desse modo, baianos, cearenses, pernambucanos, paulistas, goianos, paraenses, potiguares, amazonenses, gaúchos, brasilienses, mato-grossenses, catarinenses, sul mato-grossenses, tocantinenses, amazonenses, alagoanos, sergipanos, paraibanos, maranhenses e amapaenses,* todos colheram do aprendizado alcançado pela cidadela situada aos pés do *Caparaó, que, por sinal, em guarani, significa: “aguas cristalinas que descem a montanha”.*

Nesse momento, tinha início, somente seis anos após a promulgação da Carta de 1988, o grande salto da mudança comportamental das Polícias estaduais, bem claro, mais na Polícia Militar, que mesmo com severas críticas, justas ou não, tomou a decisão de se abrir ao universo comunitário, dedicando-se à busca de um novo processo cultural de aproximação com a cidadania.

Naquele tempo, no estado do Espírito Santo havia caos. As finanças e a ordem pública não eram lá essas coisas, mas por dever de justiça, há de se *reconhecer o esforço pessoal do então governador Vitor Buaiz e seu secretário de Justiça, Perly Cipriano, que apoiaram “lato sensu”, a formulação da “nova Polícia”, como ficou conhecida a Polícia Interativa.*

*O promotor paraibano Humberto Pedrosa Espindula, na condição de secretário executivo do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, ao lado de Elizabeth Sussekind, do Movimento Viva Rio e depois Secretária Nacional de Justiça, em muito contribuíram para a expansão do invento capixaba.*

O modelo de parceria decisória foi a grande inovação no desenvolvimento do processo de interatividade social. A sociedade não seria usada como “os olhos e os ouvidos da Polícia”, mas como parceira, com direito a opinar e supervisionar os atos dos Órgãos de Segurança estabelecidos no município. Era um pequeno mostruário da grande joia da coroa, qual seja, a participação popular na formulação das políticas públicas convergentes de ordem pública e segurança cidadã.

Mas, *voltando ao “soldado do teatro”* do início desta crônica, ele atuara como improvisado ator, sem diretor, sem cenário e sem palco, na companhia de outros colegas voluntários, para encenarem, para os nossos “alunos visitantes”, o laboratório da “polícia do pode acontecer, no lugar da polícia do aconteceu”, mostrando o “Decálogo do Certo e do Errado” na conduta do policial, o que de fato revelou-se tão expressivo no controle da violência policial, que gerou o interesse da grande mídia por “aquela interiorana ideia” e nos reservou, como prêmio, espaço em comitiva internacional *ao Canadá, junto com baluartes da USP.*

Por fim, o militar em questão neste relato ao saber que me encontrava tão próximo, *quis abraçar-me e dizer, depois de 26 anos sem nos vermos, já ao seu tempo de aposentar, que ele continuava interativo, mesmo que eu já não me lembrasse de seu rosto, já tomado pela viagem do tempo do cronos.*

Parabéns *sargento Márcio Gonçalves de Lyrio, pela higidez de seu altivo exemplo. Eu não mais o esqueci!*

 
Vitória (ES), 09 de outubro de 2022.

 
Júlio Cezar Costa é coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

*Leia também em:*

http://www.segurancacomcidadania.com.br/cronicas-do-coronel

http://debatesemrede.com.br

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