*Mudou de vida, não de profissão!*
*Mudou de vida, não de profissão!*
Obrigado a vir à Vitória (ES), o esguio e sisudo sargento, portando no cinto um aparente revólver com cabo de madrepérola, não dava indícios de que tornar-se-ia em um problema para o chefe da comitiva da PMESP.
Em parceria com a Escola de Serviço Público - ESESP, a PMES criara, em 1995, antes de suas congêneres, o pioneiro Curso de Formação de Multiplicadores em Polícia Interativa, oferecendo vagas para as polícias de todo o país.
Era um momento sem igual, pois pela primeira vez o Estado, através da PMES, irradiava o seu conhecimento experimentado com genuíno método de interatividade social, em Guaçuí (ES).
À época, *vinte e dois estados* se inscrevam para enviar representantes para frequentarem o Curso que prometia ser *disruptivo e inovador.*
Na 1ª turma, o destaque era a participação da PMESP com o envio de um oficial e dois sargentos. Os demais estados também participariam com suas expressivas comitivas.
Constava do projeto pedagógico que os alunos, em decorrência das dinâmicas a serem aplicadas nas aulas, deveriam, se armados, *deixarem a arma no cofre disponibilizado pela coordenação do Curso.*
Eis então que surge um impasse. O coordenador ao repassar as diretrizes do Curso recebeu *inopinada demanda:*
”capitão, sem a minha arma não posso frequentar o Curso. *Ela é meu instrumento de trabalho”, insistia um sargento-aluno paulista.*
*Era perigoso e anti-técnico permitir o uso de arma em sala de aula.* Não seria aberta exceção.
O capitão chefe da comitiva de São Paulo foi comunicado sobre a decisão da coordenação e, em poucos minutos, tudo estaria resolvido sem que soubéssemos o que foi dito ou acordado entre os silentes paulistas.
*As aulas começaram e os semblantes não eram os melhores.* Estava evidente o descontentamento do sargento-aluno em permanecer desarmado na sala de aula.
Veio o segundo, o terceiro e os demais dias. *O Curso em horário integral e por imersão agradava aos participantes e a “sisudez” começava a desanuviar-se.*
Integrados, os alunos dos diversos estados envolviam-se com *ótimos questionamentos sobre como tornar-se um “policial interativo”.*
*Nas aulas os professores não vendiam sonhos.* As situações eram expostas à luz da realidade dos fatos, mostrando que toda
*”mudança sempre é perigosa e de efeito duvidoso”.*
O *tempo voou e no último dia de Curso restavam sorrisos, aplausos, abraços e despedidas cordiais.* As delegações estaduais davam testemunho de que iriam multiplicar o que haviam aprendido sobre *segurança cidadã e interatividade social.*
No entanto, ainda estava no ar qual teria sido o motivo do *sargento paulista ter resistido a orientação para não portar seu adornado revólver?*
*Essa indagação somente seria respondida quatro anos depois,* quando lendo na revista ”Época” a matéria intitulada *“Um guarda camarada” descobrimos que em 1997,* no Jardim Ângela, bairro da capital de São Paulo, um *”PM detestado por cometer atos de violência e por ter 15 mortes em seu prontuário,* fora enviado a Vitória, no Espírito Santo, voltando para São Paulo, *completamente mudado, após frequentar o Curso de Polícia Interativa”.*
*David Monteiro da Conceição* era o sargento-aluno que por
”óbvios motivos” *não queria ficar sem o seu revólver.*
Felizmente, *David transformou-se e levou consigo* a nova forma para resolver velhos problemas, aplicando-a com sucesso no
*”lugar mais violento do mundo”, como era conhecido o Jardim Ângela.*
Por fim, Jardim Ângela e o seu *“guarda camarada”* viraram a página, revertendo, com a ajuda da comunidade, inclusive a religiosa, as manchetes com cenas cotidianas de violência, passando à nova posição de serem, ambos, *“top cases”, premiados até em Londres.*
Assim, o *sargento David mudou de vida, mas não de profissão.*
Vitória - ES, 18 de setembro de 2022.
*Júlio Cezar Costa é coronel da PMES e Associado Sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.*